quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Resenha: CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. (cap 7)

CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: UNESP/IE-UNICAMP, Cap. 7, 2002.

Carneiro admite a globalização como a resultante da interação da liberalização financeira nas economias domésticas com a crescente mobilidade de capitais no plano internacional. Neste cenário a globalização produtiva adquire um papel subordinado e a financeira predominante. O principal efeito da financeirização sobre a dinâmica capitalista é a mudança no comportamento dos agentes econômicos. "A questão essencial é que o aprofundamento das finanças de mercado modifica o comportamento dos vários tipos de agentes, cuja lógica de investimento se transforma e adquire um caráter especulativo" (Carneiro: 2002, p. 228).
A economia internacional nessa era de globalização é marcada pela livre mobilidade de capitais, regime de taxas de câmbio flutuantes e autonomia nas políticas econômicas domésticas. Além disso, o sistema monetário-financeiro é, ainda, hierarquizado, tendo como núcleo o dólar e a partir dele se formam as demais taxas de juros, dada a existência de livre mobilidade de capitais. Há, neste sistema, três categorias de moedas: a moeda reserva (dólar), moeda conversível (dos países centrais) e as moedas não conversíveis (países periféricos). As taxas de juros no núcleo do sistema são as menores por conta da grande segurança que ela transmite aos seus detentores, além de ser a mais forte. Conforme se afasta do núcleo, as taxas de juros vão aumentando, dada a segurança menor e as exigências dos proprietários dos capitais para investir nessas moedas. Essa lógica torna desfavorável a formação da taxa de juros dos países periféricos. Avaliados a partir de agências de classificação de risco e dentro do sistema com livre mobilidade de capitais, países periféricos não podem baixar suas taxas além das taxas de juros dos países centrais por que podem provocar fuga de capitais e também podem perder as entradas de recursos na economia. Sendo assim, "a autonomia da política econômica doméstica, entendida como a capacidade de determinar as taxas de juros, é restrita quando comparada à dos países do centro do sistema" (Carneiro: 2002, p. 232)
Quebrar essa lógica só é possível com as moedas conversíveis em países onde há um fluxo de capitais permanente. Taxas de juros abaixo do mercado implica em desvalorização do câmbio por conta das saídas de capitais. Contudo o câmbio tem um piso e a partir dele se torna interessante o retorno destes capitais. Nos casos de moedas não conversíveis, na margem desse sistema, a alternativa não existe por conta da inexistência do piso da taxa de câmbio o que provoca uma desvalorização do câmbio sem limites e os capitais não retornam para essas economias.
Uma característica do sistema globalizado e aspecto crítico, segundo Carneiro, é o patamar elevado das taxas de juros. A explicação disso é que as taxas de juros é o produto de convenções e do grau de incerteza que agentes atribuem a essas convenções. Níveis elevados de incerteza representam a preferências dos agentes pela liquidez e, portanto, um prêmio ainda maior deve ser pago para eles abrirem mão dela. O autor aponta como fatores que influenciam a preferência pela liquidez: o predomínio das finanças de mercado e os fundamentos do sistema monetário internacional. Este é explicado por conta da livre mobilidade de capitais e da taxa de câmbio flutuante. Por conta dos riscos diferentes dos países e da flutuação da taxa de câmbio, o nível de incerteza aumenta.
Outra característica ou implicação da globalização é o fato de as transações brutas adquirirem um peso desproporcional no período. Isso se dá por conta do descolamento dos fluxos de capitais dos fluxos reais, de comércio e de investimento direto externo, mas também pelo fato de a globalização ser uma "via de mão dupla" na qual o recebimento e exportação de capitais são simultâneos e, mais uma vez, por conta do câmbio flexíveis e taxas de juros flutuantes. "Ao permitir ganhos de curto prazo na especulação com moedas e taxas de juros, esse sistema exacerbou o peso dos fluxos de capitais igualmente especulativos de curto prazo" (Carneiro: 2002, p. 237). A partir de 1985 aumentam os fluxos de capitais com foco nos investimentos diretor e em portfólio, este último com maior importância na escala hierárquica proposta por Turner, seguido pelo IDE, empréstimos bancários e setor público. Ou seja, há uma predominância de fluxos privados acima do bancário. O destaque para fluxos para portfólios é explicado pela possibilidade de maior volatilidade dos fluxos oriundos de investidos institucionais após os anos 1980. A composição desses portfólios ficaria mais suscetível aos movimentos do câmbio e do juros, o que também explica as crises localizadas na década de 1990.
Na década de 1980 ocorre uma retomada dos fluxos de IDE, explicado pela cadeia de valor agregado distribuída por diversos países e empresas e a diversidade geográfica dos mercados de destino da produção, como aborda Dunning (1997). Esses IDEs ainda assumem a forma de fusões e aquisições e alianças estratégicas em detrimento da forma greenfield, ou abertura de novas empresas.
Nos anos 1990 as finanças de mercado se aprofundam ainda mais, além da continuidade do crescimento de investidores institucionais e a diversificação de seus portfólios. Nesta década os países emergentes são reincorporados nos fluxos de capitais com predominância dos fluxos privados. Os fatores de atração da periferia  são as reorientações das políticas econômicas de longo e de curto prazo. As políticas econômicas caminham para a liberalização dessas economias e, além disso, os altos patamares de juros e, consequentemente os elevados rendimentos permanecem. A liberalização desses mercados é considerada uma mudança essencial no cenário econômico e outra característica dessa época é que mesmo que "embora as condições macroeconômicas e de juros tenham sido inicialmente relevantes como fatores de atração, o processo de fusões e aquisições, incluindo a privatização, adquire subsequentemente maior peso" (Carneiro:  2002, p. 246).
Na continuação do capítulo o autor também avalia as diferenças nas inserções das periferias latino americana e asiáticas. De seus argumentos, aquele que mais se ressalta é o fato de as articulações com as economias desenvolvidas. Na Ásia, Japão teve um papel complementar nas relações com os Tigres Asiáticos (Hong-Kong, Cingapura, Taiwan e Coreia do Sul) e com o Asean-4 (Indonésia, Malásia, Filipinas e Tailândia). Na América Latina, contudo, essa relação não seguiu a lógica da complementaridade, mas sim da competição.


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