quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

BIRD: Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006.

Fichamento: BIRD. Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial 2006. Washington, DC: Banco Mundial, 2006. Visão geral.

O Relatório para o Desenvolvimento Humano de 2006, de forma geral, foca na equidade e as formas como os governos devem atuar para alcança-la de maneira plena. A definição do relatório para equidade é ter oportunidades iguais para as pessoas conseguirem a vida que buscam e serem poupadas da extrema privação dos resultados.
Para ilustrar de forma mais clara o conceito, o relatório lança mão de uma narrativa comparando duas crianças nascidas na África do Sul: uma negra de família pobre e outra branca, rica. O recurso estilístico do texto, embora usado apenas no começo do documento de forma narrativa, percorre todo o discurso do BIRD ao fazer inúmeras comparações e ilustrações das condições de desenvolvimento de pessoas por todo o mundo. Exemplo disso é o acesso à educação e saúde na África e no sul da Ásia, ou as diferenças de acesso aos serviços básicos baseados no sexo e nas castas, respectivamente na China e na Índia. Esses diferentes casos mostra quantas dimensões podem ter as inequidades nos e entre os países.
Outro conceito que se liga à equidade é o das “armadilhas da desigualdade”. Estes fenômenos são definidos como “efeitos adversos de oportunidades e forças políticas desiguais sobre o desenvolvimento são os mais prejudiciais, pois as desigualdades econômicas, políticas e sociais tendem a reproduzir-se ao longo do tempo e de geração a geração” (BIRD: 2006, p. 2).
Estas armadilhas são também abordadas ao longo de todo o documento, principalmente a parte da transmissão das condições e oportunidades de geração para geração. Por exemplo, neste trecho:

Infelizmente, as circunstâncias predeterminadas (e, portanto, moralmente irrelevantes) definem muito mais do que apenas os rendimentos futuros. Educação e saúde têm valor intrínseco e afetam a capacidade dos indivíduos de se integrarem à vida econômica, social e política. Mas as crianças defrontam-se com oportunidades substancialmente diferentes para aprender e ter vida saudável em quase todas as populações, dependendo de suas condições financeiras, localização geográfica ou educação dos pais, entre outros fatores. (BIRD: 2006, p. 4)

Buscar a equidade é também buscar a prosperidade, ou seja, estes objetivos são complementares. Além disso, o relatório aponta dois grandes grupos de motivos que são as causas dessa complementaridade: um se refere às muitas falhas de mercado nos países em desenvolvimento, principalmente nos mercados de crédito, seguro, terra e capital humano. “Quando os mercados são incompletos ou imperfeitos, a distribuição de riqueza e de poder afeta a alocação de oportunidades de investimento” (BIRD: 2006, p. 2). Sendo assim, corrigir essas falhas deve ser um dos objetivo para melhor equidade.
Outro grupo de motivos que gera equidade com prosperidade é o fato de instituições econômicas e organizações sociais serem construídas para privilegiar certos interesses específicos de grupos isolados.

A distribuição de riqueza está diretamente relacionada com as diferenças sociais que estratificam as pessoas, comunidades e nações nos grupos que dominam e os que são dominados. Esses padrões de dominação persistem, porque as diferenças econômicas e sociais são reforçadas pelo uso manifesto e sutil do poder. As elites protegem seus interesses de formas sutis, por meio de práticas excludentes em sistemas de casamento e parentesco, por exemplo, e de formas menos veladas, tais como a manipulação política agressiva ou o uso explícito da violência. (BIRD: 2006, p. 2).

O relatório faz também três considerações iniciais importantes para o desenvolvimento do resto do documento:
1)      Nem sempre equidade pode ser medida pela distribuição de renda. Mesmo com processos mais justos, espera-se ainda diferenças que provém de diferentes talentos, preferências, esforço e sorte;
2)      O foco das políticas deve ser a distribuição de ativos, oportunidades econômicas e expressão política e não na desigualdade de rendimentos;
3)      O cálculo do mérito das políticas adotadas para aumentar a equidade e seus efeitos no longo prazo nem sempre é levado em conta ou são difíceis de calcular.
Outro questionamento levantado pelo relatório se refere à importância da equidade para o crescimento. Uma primeira resposta a isso percorre o caminho das inequidades dentro dos mercados e o comando destes e dos governos por grupos pequenos, deixando à margem grande parcela da população. Mercados imperfeitos, por exemplo, geram desigualdades de riqueza e poder e por conseguinte oportunidades desiguais e alocação ineficiente dos recursos. Este tema é trabalhado no documento pelo ponto de vista tanto do mercado financeiro, quanto o de terras e capital humano. O pleno funcionamento de forma transparente e justa não geraria rendas diferenciadas e diferentes oportunidades.
Outro ponto que o relatório do BIRD volta a mencionar, assim como o de 1991 é a importância das instituições. As instituições são construções históricas, políticas e sociais. Dessa forma, imperfeições de mercado são reflexos de distribuições inequitativas de poder.

As boas instituições econômicas são equitaveis de uma maneira fundamental: para prosperar, uma sociedade deve criar incentivos para que a vasta maioria da população invista e inove. Mas tal grupo de instituições econômicas só pode surgir quando a distribuição de poder não for extremamente desigual e em situações nas quais existam restrições ao exercício de poder por parte de funcionários do governo.  (BIRD: 2006, p. 9)

Outro ponto em que as instituições é ressaltada é quando o relatório afirma que políticas que a equidade aprimora as políticas de redução da pobreza:

Afirmamos que uma lente de equidade aprimora a agenda de redução da pobreza. As pessoas de baixa renda geralmente têm menos expressão, menor renda e menos acesso a serviços do que a maioria das outras pessoas. Quando as sociedades se tornarem mais igualitárias de modo a conduzir a maiores oportunidades para todos, as pessoas de baixa renda estarão em condições de aproveitar um “duplo dividendo”. Primeiramente, a ampliação de oportunidades beneficia os pobres diretamente, por intermédio da participação no processo de desenvolvimento. Segundo, o processo de desenvolvimento propriamente dito pode obter mais êxito e tornar-se mais flexível à medida que a maior equidade produzir melhores instituições, gestão mais eficaz do conflito e um melhor uso de todos os potenciais recursos da sociedade, inclusive os recursos das pessoas de baixa renda. Os consequentes aumentos das taxas de crescimento econômico nos países pobres, por sua vez, contribuirão para a redução das desigualdades mundiais. (BIRD: 2006, p. 10)

Essa visão de equidade acrescenta três perspectivas à formulação de políticas de desenvolvimento:
1)      As políticas de diminuição da pobreza podem envolver redistribuições de influência, vantagem ou subsídios fora dos grupos dominantes;
2)      As compensações das políticas devem ser levadas em conta. Caso altos impostos para melhorar a educação atinjam seu objetivo no futuro, esse benefício não deve ser ignorado na elaboração da política;
3)      “Em terceiro lugar, é falsa a dicotomia entre políticas para o crescimento e políticas voltadas especificamente para a equidade. A distribuição de oportunidades e o processo de crescimento são determinados em conjunto. As políticas que afetam um, afetarão o outro” (BIRD: 2006, p. 11).

A partir destas considerações, a Visão Geral do relatório resume os quatro pontos principais para a ação pública e a formação de política.

A. Capacidades Humanas
1) Desenvolvimento na primeira infância: a visão essencial aqui é reduzir a armadilha da desigualdade, ou seja, fazer com que as condições do nascimento não sejam fatores decisivos no desenvolvimento cognitivo da criança. Desta forma as políticas devem atuar para garantir esse desenvolvimento de forma que a equidade seja garantida desde cedo;
2) Escolaridade: garantia de pelo menos um nível básico a todas as crianças de forma igual;
3) Saúde: este ponto engloba não só tratamento médico, como imunização, mas também saneamento básico e água potável.
4) Gestão de risco: garantia de que choques e crises econômicas não atinjam as classes mais pobres de maneira tão drástica como usualmente ocorre;
5) Impostos para equidade: “Como os impostos impõem perdas de eficiência, alterando as escolhas individuais entre trabalho e lazer, consumo e poupança, a maioria dos países em desenvolvimento tem possibilidade de ser mais bem servido evitando elevados impostos marginais sobre a renda e fundamentando-se em uma base mais ampla, especialmente para impostos sobre o consumo” (BIRD: 2006, p. 13);

B. Justiça, terra e infraestrutura
1) Criação de sistemas de justiça equitativos: “As instituições legais podem sustentar os direitos políticos dos cidadãos e restringir o aprisionamento do Estado pela elite” (BIRD: 2006, p. 14 );
2) Para uma maior equidade no acesso à terra: essa equidade não precisa necessariamente passar pela questão da propriedade, segundo o relatório, mas sim por políticas agrícolas e maior segurança de posse aos grupos de menor renda;
3) Fornecimento equitativo de infraestrutura:

Embora o setor público continue a ser, em muitos casos, a principal fonte de fundos de investimento em infraestrutura destinados a ampliar as oportunidades dos menos favorecidos, a eficiência do setor privado também pode ser aproveitada. Embora as privatizações de empresas de serviços públicos costumem ser atacadas por seus efeitos desiguais, a evidência indica uma realidade mais complexa. As privatizações na América Latina geralmente resultaram em acesso a serviços, especialmente em eletricidade e telecomunicações. Em outros casos, contudo, no período pós-privatização os preços aumentam mais do que os ganhos em qualidade e cobertura, levando ao descontentamento geral da população.
As privatizações são, portanto, um caso clássico de política que pode ou não dar certo, dependendo do contexto local. Se o sistema público for altamente corrupto ou ineficaz e estiver prevista uma capacidade normativa adequada na pós-privatização, a privatização pode ser considerada um bom recurso. Em outros casos, há privatizações mal programadas que transferem ativos públicos a preços excessivamente baixos para mãos privadas. (BIRD: 2006, p. 15)

C. Os mercados e a macroeconomia
1) Mercados financeiros: a questão perpassa o maior acesso de firmas que geralmente não têm acesso ao mercado financeiro e a empréstimos;
2) Mercados globais: aplicação universal das leis do trabalho e segurança para os trabalhadores como seguro desemprego e proteção/incentivo de minorias como mulheres e jovens inexperientes;
3) Mercado de produtos:

Geralmente há também fortes interações com qualificações no mercado de trabalho. Em muitos países, a abertura ao comércio (geralmente coincidindo com a abertura ao investimento estrangeiro direto) tem sido associada a um aumento da desigualdade salarial nas duas últimas décadas. Isso ocorre especialmente nos países de renda média, notavelmente na América Latina. A abertura ao comércio geralmente incentiva o prêmio por aptidões à medida que as firmas modernizam seus processos de produção (mudança técnica com base em aptidões, no jargão dos economistas). Isso pode ser prejudicial para a equidade se o contexto institucional restringir a capacidade dos trabalhadores de mudarem para um novo trabalho – ou limitar o acesso da população à educação. (BIRD: 2006, p. 17)

4) Estabilidade macroeconômica: o relatório defende que á relação entre instituições injustas e crises macroeconômicas que, geralmente, acabam por penalizar as classes com menor renda. Os governos devem, portanto, criar políticas fiscais anticíclicas e criar redes de segurança antes de crises;

D. A arena global
O documento reconhece que há inequidades no mercado mundial. Contudo, propõe algumas medidas que visem melhorar este cenário como: migrações para países membros da OCDE; aumentar substancialmente a liberalização comercial; permitir que os países pobres usem medicamentos genéricos; e desenvolver normas financeiras mais apropriadas aos países em desenvolvimento.

A conclusão desta visão geral do relatório traz a ideia de que equidade, além de gerar melhores oportunidades, também atrai investimentos


Ao assegurar que instituições reforcem direitos pessoais, políticos e de propriedade para todos, incluindo os atualmente excluídos, os países poderão contar com um número maior de investidores e inovadores e ser muito mais eficazes na prestação de serviços para todos os cidadãos. Uma maior equidade pode, no longo prazo, sustentar um crescimento mais rápido. Esse crescimento pode ser incentivado por uma maior imparcialidade na arena global, pelo menos por meio das promessas feitas na reunião da comunidade internacional realizada em Monterrey. O crescimento rápido e o desenvolvimento humano nos países mais pobres são fundamentais para a redução da desigualdade global e para o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio. (BIRD: 2006, p. 19)

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